sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Sonho de uma noite veranil

Um dia sonhei com você
Tão bela e triste, não parava de chorar
Um dia sonhei, e o sonho
Era tão sombrio quanto não amar você

Um dia eu sonhei com a musa
Ela estava tão bela, estava linda
Nesse dia eu sonhei e que sonho
Ela estava comigo, ela era minha

Você foi o melhor sonho que tive
Foi a melhor coisa que me ocorreu
Foste o paraíso onde nunca estive

Foste o amor que não amei
Foste o sonho que não sonhei
Foste o verão que não vivi

André Luiz Abdalla Silveira

Vida ou Morte

Da Vida desejo os beijos
Que outrora me deixavam alegre
Da Morte desejo os leitos
Onde outrora chorava sozinho

Só quero da Vida os sorrisos
Que regiam cada noite de luar
E só desejo da Morte o pranto
Que me acalmava na hora de lhe deixar

Só quero da Vida os sonhos
Os sonhos em que eu era feliz
E só quero da Morte os cantos
Da casa onde outrora eu tive você

Só quero da Vida os lábios
O portal a uma vida de amor
E só quero da Morte os  seios
O portal a uma vida de ardor

E por fim, da Vida desejo os olhos
Que por tantas vezes comtemplei
E da Morte desejo a vida
Que por tantos anos eu perdi

André Luiz Abdalla Silveira

Antero de Quental



Apesar de não ter deixado uma obra extensa, Antero Tarquíneo de Quental é considerado um dos principais poetas portugueses modernos. Aluno brilhante na Universidade de Coimbra, em Portugal, formou-se em direito, em 1864. Dois anos depois tentaria se alistar no exército do nacionalista Giuseppe Garibaldi, o revolucionário que havia unificado a Itália em 1861.

Ilhéu, isto é, nascido numa ilha que era colônia portuguesa, viajou pela França, pelos Estados Unidos e pelo Canadá, fixando-se em Lisboa, onde trabalhou por algum tempo organizando o Partido Socialista. Amigo de Eça de Queirós e Oliveira Martins, pertenceu à chamada Geração de 70, grupo ligado à Questão Coimbrã e que pretendia renovar a mentalidade em Portugal.

A Questão Coimbrã foi uma polêmica literária travada, em 1865, entre o círculo de poetas ligados a António Feliciano de Castilho e o grupo de jovens coimbrãos (isto é, ligados à Universidade de Coimbra) que manifestaram publicamente o seu interesse pela reforma da vida em Portugal. que veio, mais tarde, a ser conhecido como Geração de 70, da qual Antero de Quental foi considerado mentor. Com os poemas "Odes Modernas" e o ensaio "Bom Senso e Bom Gosto", ambos desse e ano, o poeta e pensador liderou a ruptura cultural com os valores do passado - representados, na Questão, pelo poeta Castilho.

As suas obras vão da poesia à reflexão filosófica. Defendia a missão social da poesia como oposição ao lirismo ultra-romântico em voga na época. Sua poesia pode ser considerada uma procura filosófica pela verdade através da própria experiência. Os intelectuais do seu tempo o definiam como um homem de grande estatura moral e espiritual.

São também desse período do Grupo dos 70 as suas manifestações de entusiasmo pelos movimentos sociais europeus, e a leitura dos grandes teóricos do socialismo e dos filósofos contemporâneos, em especial Proudhon e Hegel, que influenciaram bastante o seu pensamento.

Produziu ainda "Raios de Extinta Luz", "Primaveras Românticas", "Sonetos", "Prosas" e "Cartas". Ainda em vida, teve seus sonetos traduzidos para o alemão.

Numa carta ao amigo Cândido de Figueiredo, datada de 3 de maio de 1881, dez anos antes da sua morte, se disse oriundo de uma família com antecedentes literários, de que destacava o Padre Bartolomeu de Quental "cujos sermões ainda hoje podem ser lidos com alguma utilidade" e o seu avô, André Ponte de Quental, "poeta nada vulgar" e amigo íntimo de Bocage.

Colaborou na criação de associações operárias, e ao mesmo tempo se dedicou a divulgar ideais revolucionários, escrevendo panfletos e artigos sobre assuntos sociais e literários para o "Jornal do Comércio" e o "Diário Popular", de Lisboa, e para "O Primeiro de Janeiro", do Porto. Fez parte das redações dos periódicos "A República" e "Pensamento Social".

Fundou, em 1872, a Associação Fraternidade Operária, representante em Portugal da 1ª. Internacional Operária.

Sofria de uma doença mental, identificada por alguns como psicose maníaco-depressiva, hoje chamada de transtorno bipolar, pela moderna psiquiatria. Em função desse distúrbio, caracterizado por períodos de delírio alternados com profunda depressão, torna-se quase inválido, o que faz diminuir seu ativismo político em prol de um nacionalismo ibérico e do socialismo.

Seu último ensaio filosófico, "A Filosofia da Natureza dos Naturalistas", foi publicado em 1884, na Revista de Portugal, editada por Eça de Queirós.

Em 5 de junho de 1891, adoentado, provavelmente deprimido, regressou para Ponta Delgada, sua cidade natal no arquipélago dos Açores - e não chegou a se recuperar, cometendo suicídio três meses depois.


Poesias

O PALÁCIO DA AVENTURA

Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura.

Paladino do amor, busco anelante

O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...

E eis que súbito o avisto fulgurante

Na sua pompa e aérea formosura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o vagabundo, o Deserdado...

Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d’ouro, com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,

Silêncio e escuridão – e nada mais!

IDEAL

Aquela, que eu adoro, não é feita
De lírios e nem de rosas purpurinas,

Não tem as formas lânguidas, divinas,

Da antiga Vênus de cintura estrita...

Não é a Circe, cuja mão suspeita
Compõe filtros mortais entre ruínas,

Nem a Amazona, que se agarra às crinas

Dum corcel e combate satisfeita...

A mim mesmo pergunto, e não atino
Com o nome que dê a essa visão,

Que ora amostra ora esconde o meu destino...

É como uma miragem, que entrevejo,
Ideal, que nasceu na solidão,

Nuvem, sonho impalpável do desejo...


Pranto

Tão calmo e agitado é o teu amor
Ignoro ao mundo, percebo a ti
Chorando, talvez de saudades ou dor
Mas não chores musa, pensa que

Uma dama que solitária chora
De nada vale, todos a ignoram
Coração reclama e se depara
Com o lugar onde a tristeza mora

Teu rosto em prantos quero tocar
Teus lindos olhos desejo olhar
E tua linda boca desejo beijar

Não quero as sombras de um amor sofrido
Já me bastam as chagas com que tenho vivido
Já não lhe tenho, melhor mesmo foi ter partido

André Luiz Abdalla Silveira

Soneto da Musa

Seus olhos cheios de água nunca esquecerei
O brilho em sues olhos refletiam a paixão estampada em seu peito
Seus olhos verdes me atríam, eu sempre lembrarei
Teu queixo, boca, leito

Tuas lágrimas traziam o cheiro de boa nova 
Sinto teu peito, quero tua vida
Quero teu sorriso no qual vigora
Felicidade, amor e vida

O mestre disse, aqui repito
"Amor é não contentar-se de contente"
Se assim queres, aqui fico

Aonde não haja remetentes entre nós
Aonde o muito seja pouco, nós viveremos
Aonde possamos viver alegremente

André Luiz Abdalla Silveira